De acordo com a psicóloga Noeli Godoy, do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, a propaganda vende produtos e a solução enganosa de dificuldades que eventualmente o consumidor possa ter. Para Noeli, a publicidade incute não só o produto, mas a ideia de que o produto pode suprir a necessidade em alguma área da sua vida.
- Por exemplo, alguém que está com problema na área afetiva vê o comercial de cerveja no qual a pessoa bebe e encontra a sua cara metade. Isso é o que vai produzir alguma influência na saúde emocional daquela pessoa.
Não há atualmente um leque abrangente de medidas para o controle da publicidade brasileira. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável por regulamentar e fiscalizar as propagandas de medicamentos, cosméticos, saneantes, alimentos e produtos para a saúde. Mas a regulamentação de outros tipos de publicidade fica a cargo do próprio setor, por meio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que reúne empresas de mídia, agências de propaganda e organizações de anunciantes. O conselho superior do Conar é composto por membros indicados por seis entidades fundadoras.
Em relação ao que a publicidade pode impactar na área da saúde, a professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Bianca Marins, estuda como as propagandas de alimentos podem enganar o consumidor. Bianca analisou peças publicitárias de produtos com fins especiais, como dietéticos ou aqueles destinados a lactantes.
- Há alimentos cujas peças publicitárias acentuam a existência de componentes que já são inerentes àquele produto, como vitaminas. É como se, ao consumir aquele produto, a vida do indivíduo pudesse ser mudada, como se fosse uma pílula milagrosa.
A pesquisadora comenta que há uma grande dificuldade em fomentar hábitos saudáveis de alimentação se a publicidade não ajuda neste cenário. "Justamente nos horários de programação infantil há a veiculação de propagandas que estimulam a alimentação com baixo teor nutricional, ou que fazem uma visão distorcida, como por exemplo: ‘já que seu filho não come determinada verdura ou legume, faça uso de determinado produto’. Isso precisa ser discutido”, opina.
No final de junho, a Anvisa publicou uma resolução para a publicidade de bebidas com baixo teor nutricional e alimentos com elevadas quantidades de açúcar, sódio, gordura saturada ou trans. As empresas têm até 180 dias para se adequar, inserindo mensagens de alerta para o risco do consumo excessivos destes produtos. No entanto, empresas do setor torceram o nariz para a medida, chegando a questionar a competência da agência reguladora para atuar nesta seara.
Mas nem sempre mensagens de alerta para o consumo em excesso podem significar muita coisa. Em relação aos medicamentos, a resolução 96 da Anvisa, de 17 de dezembro de 2008, tornou essa inscrição obrigatória. Para o jornalista e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) Álvaro Nascimento, que estuda a publicidade de medicamentos há quase dez anos e é autor do livro "Ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado: isso é regulação?", afirma que, na realidade, os dizeres não adiantam.
- O que é efetivamente dito a cada anúncio é o seguinte: compre primeiro, tente sozinho, e caso os sintomas persistam, procure um médico. Não é à toa que esta exigência do modelo regulador é uma das mais respeitadas pelo marketing farmacêutico. Na verdade, a frase estimula pelo menos o primeiro consumo.
Álvaro critica a influência da publicidade no uso irracional de medicamentos, sendo ela a principal responsável nos casos de intoxicação humana registrados no Sistema Único de Saúde (SUS). Ele lembra que, nos casos mais recentes, há mais de 34 mil casos de intoxicação por medicamentos.
- Se retirarmos os 15.119 casos de tentativas de suicídio, teremos 18.909 casos de intoxicação por medicamentos, considerando exclusivamente as pessoas que buscaram no medicamento uma forma de prevenir e tratar doenças ou recuperar a saúde. Se dividirmos pelos 365 dias do ano, são quase 52 casos por dia, ou seja, um caso oficialmente registrado a cada 30 minutos. O número pode ser ainda mais assustador, se considerarmos uma subnotificação dos casos de intoxicação e também que os dados se referem apenas aos atendimentos no SUS.
No outro lado da discussão, a gerente de monitoramento e fiscalização de propaganda da Anvisa, Maria José Delgado, diz que há um avanço significativo no cumprimento da legislação desde 2000, quando a autarquia começou de fato a monitorar a publicidade. A Anvisa determina que só pode haver publicidade de produtos registrados na própria agência e no caso de medicamentos, apenas daqueles que não exigem prescrição médica para a comercialização, ou seja, os que não possuem tarja vermelha ou preta nas embalagens.
- Em parceria com universidades públicas, a Anvisa monitora peças publicitárias veiculadas em todo o país. A legislação brasileira permite fazer propaganda de medicamento sem anuência prévia. Com esse cenário, é possível ver que o avanço foi grande desde a resolução 96. Antes de 2000, nós tínhamos peças puramente comerciais. A partir do regulamento 102 nós passamos a ter informações nas peças publicitárias que fizeram alguma modificação naquilo que era puramente comercial.
A entidade recebe ainda denúncias feitas pela própria população, indústria e outros órgãos, como o Ministério Público. Constatadas irregularidades, a agência autua todos os atores envolvidos, desde o laboratório fabricante ou a que disponibilizou o produto no mercado, a mídia que veiculou a propaganda e a agência criadora da peça publicitária. A Anvisa determina ainda a retirada imediata de circulação nas mídias. Se a publicidade for de um produto sem registro na Anvisa, os setores podem ser multados com valores que vão de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão, e este valor pode dobrar se for constatada reincidência na veiculação da peça publicitária. Outros produtos com registro, mas irregulares, com falta de informações, por exemplo, podem ser multados de R$ 5 mil a R$ 100 mil.
Porém, Álvaro Nascimento acredita que a fiscalização realizada pela Anvisa ainda é deficiente e lembra que na última consulta pública feita pela agência, ele e outros 130 especialistas enviaram 19 propostas para modificar a regulamentação do setor. Uma delas se referia à criação do estatuto da anuência prévia pelo qual toda propaganda seria analisada pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária antes da veiculação.
- Cheguei a ouvir de um membro do setor regulado, numa das reuniões da Câmara Setorial de Propaganda da Anvisa, que a anuência prévia defendida por nós representaria o retorno da censura dos tempos da ditadura militar. Refutei o argumento perguntando a ele se a França poderia ser considerada uma ditadura, assim como o Reino Unido, a Suíça, a Espanha, a Austrália, o México, já que em todos estes países o estatuto da anuência prévia existe há anos.
Além da Anvisa e do Ministério da Saúde, fazem parte do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária os conselhos de secretários estaduais e municipais da saúde (Conass e Conasems), os Centros de Vigilância Sanitária estaduais, municipais e do Distrito Federal, os Laboratórios Centrais de Saúde Pública, o Instituto Nacional de Controle e Qualidade em Saúde, a Fiocruz e os conselhos estaduais e municipais de Saúde.
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias
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