quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Milhares na fila e espera sem fim desafiam SUS



Carolina Benevides
RIO - O marido agonizando não sai da cabeça da líder comunitária Sônia Regina Gonçalves, que o internou em 1 de dezembro de 2010 para tratar de um câncer nas cordas vocais no Hospital do Andaraí, no Rio. Por mais de dez dias, ela aguardou que uma vaga fosse aberta no andar onde os casos de cabeça e pescoço são tratados. Sônia conta que, durante a espera, viu o marido ficar "cada vez mais fraco", até não resistir mais:
- Talvez a história fosse outra se ele tivesse ido diretamente para o lugar certo. Fiz o que pude, mas a morte venceu. Sinto uma mágoa enorme.
O drama de Sônia é comum a muitos brasileiros. Regulamentado na Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) - que engloba desde atendimento ambulatorial até transplante - interna, em média, nove milhões de pessoas por ano, faz mais de dois milhões de partos e realiza cerca de 16 mil transplantes, entre outros procedimentos. No entanto, outras milhares de pessoas no país aguardam atendimento. Estudo do pesquisador Alexandre Marinho, do Ipea, baseado em dados de 2007, mostra que, no Brasil, o tempo médio de espera por uma internação é de seis dias, quase o mesmo verificado em 2003.


Números reunidos por secretarias de Saúde, sindicatos dos médicos, sociedades brasileiras de várias especialidades e profissionais do setor são ainda mais dramáticos. No Instituto Nacional de Traumatologia (Into), 21 mil aguardam por uma cirurgia. Na fila da cirurgia bariátrica, só no Estado do Rio, estão cinco mil. No município, quem precisa de cirurgia vascular eletiva espera 12 meses.
Em Minas, segundo a Sociedade Brasileira de Radioterapia, sete mil pessoas esperam para iniciar tratamento radioterápico. Em Pernambuco, são 4.458. Operar o joelho no Hospital das Clínicas, em São Paulo, pode demorar quatro anos, segundo a Sociedade Brasileira de Ortopedia.
Ministro da Saúde, Alexandre Padilha reconhece que as filas são um problema e propôs a criação de um indicador nacional de qualidade de acesso aos serviços de saúde:
- O indicador mostrará a realidade e poderemos estabelecer metas e melhorias. Mas para que ele exista, vamos fazer um mapa sanitário nacional, que permitirá que sejam comparadas as necessidades com o padrão de ofertas do SUS - explica. - Esse mapa é a base para construção do indicador, e pode ser que tenhamos um da Atenção Básica e outro da média e alta complexidade. Mas, para cada região, o mapa vai nos ajudar a pensar na estratégia para acabar com os gargalos.

--------------------------------------------------------------------------------

RJ: Em 24 horas, até 150 pedidos de internação
Médico fala sobre a frustração de, por vezes, não conseguir uma vaga
Médico da rede pública há 30 anos, J. N. trabalha na Central de Regulação de Vagas do Estado do Rio e acompanha semanalmente o drama de adultos que precisam de leitos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs):
- Em média, num plantão de 24 horas, recebemos de cem a 150 pedidos de internação, e, muitas vezes, deixamos o plantão sem conseguir internar uma pessoa. Temos muita dificuldade também para conseguir leitos para doentes com Aids que desenvolvem tuberculose. A média de espera é de uma semana.
Levantamento da Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da capital mostra que o déficit de leitos de CTI adulto chega a cem, e que crianças esperam de cinco a dez dias para serem internadas. Uma biópsia pode levar seis meses.
Presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Junior acredita que as filas podem ser reduzidas se o país investir em prevenção.
- Tratar com antecedência problemas simples que evoluem para casos mais graves pode evitar, por exemplo, que pessoas precisem fazer hemodiálise, que hoje tem fila em todo o país. O SUS consegue evitar o óbito daqueles que têm um trauma, que chegam às emergências, mas o atendimento eletivo tem problemas gravíssimos, que não são resolvidos apenas com dinheiro - diz Francisco.
"Não existe gestão de fila no Brasil"
 Pesquisador do Ipea, Alexandre Marinho concorda que nem o maior orçamento do Ministério da Saúde desde 1995 - serão R$77 bilhões em 2011 - sozinho resolverá a superlotação dos hospitais e as filas.
- Esse problema é maior ou pior dependendo do lugar do país, e piora porque não existe gestão de fila no Brasil nem estudo sistemático sobre o tema. A proposta do ministro Padilha é um primeiro passo porque,como a demanda de saúde é imprevisível, a gestão é imprescindível. Não dá para administrar o que não é conhecido - diz Marinho, que já se debruçou sobre dados sobre as filas para internações relacionadas com a gravidez, parto e puerpério e descobriu que em 1990 e em 2002, em Salvador, o tempo de espera era de mais de 48 horas.
De acordo com o Ipea, em média, no Brasil, em 1999 e em 2002, uma mulher esperava 20 horas para ser atendida na hora do parto.
- Os resultados não são recentes pois os dados que usamos não são atualizados com frequência, e essa falta de informação já representa um grande problema - diz Alexandre, que também estudou os transplantes no Brasil, e constatou que, em 2004, no Maranhão, 237 pessoas esperavam por um transplante de córnea, e que apenas uma teve a chance de ser operada.
Fonte: O Globo (16/01/2011)

Nenhum comentário:

Postar um comentário